LGBTfobia: como combater no ambiente de trabalho
Para muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, gestos simples como segurar a mão de quem se ama ou demonstrar carinho em público podem representar um risco real. Imagine sair de casa e precisar calcular cada comportamento, com medo de não voltar com vida. Essa é a realidade cotidiana de milhares de pessoas no Brasil por conta da LGBTfobia.
Não dá mais para ignorar. Segundo pesquisa PoderData, 74% dos brasileiros reconhecem a existência da LGBTfobia no país. E a percepção tem fundamento: o Brasil segue como o país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+, com 291 mortes violentas registradas em 2024, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB).
E esses números podem ser ainda maiores. Como não há estatísticas oficiais, os dados são coletados por meio de denúncias a ONGs e na mídia, o que significa que muitos casos sequer são registrados. A realidade pode ser ainda mais brutal.
Por isso, o combate à LGBTfobia não pode ser restrito a datas simbólicas, como o mês de junho. É um compromisso diário, que também começa dentro das empresas. Criar um ambiente de trabalho seguro e acolhedor é uma forma concreta de transformar a sociedade.

LGBTfobia: um crime de ódio
Crimes contra pessoas LGBTQIAPN+ são, em sua maioria, considerados crimes de ódio. Ou seja, são atos de violência motivados por intolerância e preconceito contra identidades de gênero e orientações sexuais. Isso inclui desde ofensas e agressões físicas até homicídios, muitas vezes marcados por crueldade extrema.
Ainda hoje, muitos desses crimes não recebem a devida atenção das autoridades e, em alguns casos, nem sequer são classificados como LGBTfobia.
LEI Nº 10.948, DE 05 DE NOVEMBRO DE 2001 DE SÃO PAULO
Desde 5 de novembro de 2001, o Estado de São Paulo conta com a Lei Estadual nº 10.948, a primeira legislação estadual do Brasil a punir formalmente atos de discriminação contra pessoas homossexuais, bissexuais e transgênero.
A lei define como crime administrativo qualquer manifestação atentatória contra esse grupo que envolva:
- Violência moral, psicológica ou física;
- Impedimento de ingresso em ambientes públicos ou privados;
- Atendimento seletivo;
- Restrições em serviços como hospedagem e aluguel de imóvel;
- Demissão ou impedimento de acesso profissional;
- Além de proibir expressões de afeto que seriam permitidas a outros grupos de pessoas.
A aplicação da lei atinge não apenas indivíduos, mas também empresas, instituições privadas e servidores públicos, que podem ser punidos mediante advertência, multa, suspensão da licença de funcionamento ou até cassação do alvará.
Combatendo a LGBTfobia nas empresas: um guia prático
1. Informe-se
Antes de qualquer iniciativa prática, o primeiro passo para promover ambientes mais seguros e inclusivos é entender melhor quem compõe a comunidade LGBTQIAPN+.
Cada letra representa um grupo específico, com histórias, lutas e vivências distintas e, por isso mesmo, é tão importante dar visibilidade a todos.

Veja abaixo um breve guia para compreender melhor essa pluralidade:
- L – Lésbicas: mulheres que sentem atração por outras mulheres;
- G – Gays: homens que sentem atração por outros homens;
- B – Bissexuais: pessoas que se atraem por mais de um gênero;
- T – Transgêneros: pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao gênero designado no nascimento (incluindo transexuais e travestis);
- Q – Queer: identidade usada por quem rejeita os rótulos tradicionais ou transita entre gêneros (não é muito comum na realidade brasileira, mas é bastante visto fora do país);
- I – Intersexo: pessoas que nascem com características biológicas de ambos os sexos;
- A – Assexuais: pessoas que não sentem (ou sentem muito pouco) atração sexual ou romântica;
- P – Pansexuais: sentem atração por pessoas, independentemente de gênero ou sexo;
- N – Não-bináries: não se identificam com o modelo social binário (homem/mulher);
- +: sinal que representa outras identidades ainda pouco reconhecidas ou em construção social.
Além disso, é comum confundir conceitos como gênero, sexo e orientação sexual. Por isso, vale reforçar:
- Sexo diz respeito ao biológico (masculino, feminino ou intersexo).
- Gênero está ligado à identidade (como a pessoa se percebe) e ao papel social (cisgênero, transgênero, não-binárie).
- Orientação sexual trata da atração afetiva e/ou sexual de uma pessoa (homo, hétero, bi, pan, entre outras).
E um ponto importante: Drag Queens e Drag Kings não são necessariamente pessoas trans. Essas expressões artísticas envolvem apenas performance e podem ser adotadas por qualquer pessoa, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
2. Políticas de diversidade e inclusão
Garantir um ambiente seguro para pessoas LGBTQIAPN+ começa por um posicionamento institucional firme. RHs têm um papel essencial em formalizar políticas contra discriminação e preconceito, deixando documentado que a LGBTfobia não será tolerada.
Mas isso não é responsabilidade só da empresa. Quem faz parte do time também pode colaborar: cobrando posturas mais inclusivas, apoiando colegas que passam por situações desconfortáveis e, principalmente, não sendo conivente com piadas ou comentários preconceituosos, mesmo quando velados. A cultura inclusiva só se sustenta quando é construída por todas as pessoas.
3. Interseccionalidade
Mais do que respeitar a orientação sexual e a identidade de gênero, é importante lembrar que a LGBTfobia não atinge todo mundo da mesma forma. Quando ela se cruza com outras questões sociais, como racismo e desigualdade de gênero, seus efeitos podem ser ainda mais duros. Um exemplo disso é que a maioria das vítimas de violência LGBTfóbica no Brasil são travestis, negras e jovens, como mostra o Atlas da Violência 2023.
No ambiente corporativo, isso exige que programas de diversidade e inclusão levem em conta não apenas a letra que a pessoa representa na sigla LGBTQIAPN+, mas também outros marcadores sociais que atravessam sua experiência.
Isso vale tanto para o RH, que pode repensar seus critérios de atração, promoção e retenção, quanto para os colaboradores, que podem estar atentos às ações e atitudes que afetam colegas em situação mais vulnerável.
4. Treinamentos contínuos
Conhecimento transforma o ambiente. Para o RH, isso significa investir em capacitações que ajudem a equipe a compreender a diversidade de vivências da comunidade LGBTQIAPN+, seus desafios e como enfrentá-los de forma respeitosa.
Para quem está do outro lado, na operação, na liderança e nos bastidores, o compromisso está em participar ativamente desses momentos, refletir sobre comportamentos e aprender a identificar atitudes que antes passariam despercebidas.

5. Canais seguros de escuta e denúncia
Toda empresa precisa garantir que pessoas LGBTQIAPN+ possam relatar situações de preconceito com segurança, sabendo que serão acolhidas e não silenciadas. Para isso, RHs podem estabelecer canais de denúncia com escuta qualificada, garantir sigilo quando necessário e deixar claro que qualquer manifestação de LGBTfobia terá consequência.
Já entre colegas, é importante cultivar uma cultura de apoio mútuo: às vezes, estar ao lado de quem vive uma situação difícil e validar sua experiência já é um grande passo. Ouvir sem julgar, acolher sem hesitar e, quando possível, orientar a procurar os canais certos para resolver a questão são formas práticas de fazer isso sem esforço no dia a dia.
6. Incentive a visibilidade e a representatividade
Quando pessoas LGBTQIAPN+ ocupam espaços de liderança, falam abertamente sobre suas vivências ou participam de campanhas internas, o ambiente de trabalho se torna mais seguro para todas as pessoas. É papel do RH apoiar essa visibilidade com ações afirmativas, como programas de liderança para grupos minorizados ou comunicações internas que celebrem a diversidade de forma genuína.
Para os demais colaboradores, reconhecer e valorizar essa presença é também muito importante. Afinal, evitar o silenciamento e reforçar o apoio contribui para quebrar o ciclo de exclusão.
Visibilidade não é sobre expor ninguém, mas sobre permitir que cada pessoa possa ser quem é sem medo.
7. Cuide da linguagem e do ambiente
As palavras moldam a cultura. RHs podem liderar mudanças adotando formulários mais inclusivos (como opções de pronome ou nome social), orientando a liderança a evitar generalizações e promovendo campanhas que tragam visibilidade para o impacto de uma linguagem respeitosa.
Para quem atua no dia a dia, pequenas atitudes fazem a diferença: perguntar como a pessoa prefere ser chamada, evitar suposições sobre identidade ou orientação e interromper comentários ofensivos são formas diretas de tornar o espaço mais acolhedor.
8. Faça disso um compromisso contínuo
Incluir não é uma meta com prazo de validade: é um processo vivo, que exige revisão, escuta e atualização constante. Por isso, é importante que os RHs garantam que esse tema esteja presente o ano todo, e não apenas no mês de junho.
Reavaliar políticas, ouvir os próprios times, adaptar ações conforme as demandas reais, tudo isso ajuda a criar um ambiente que evolui com as pessoas.
E colaboradores também têm um papel essencial nessa continuidade, sendo vigilantes, cobrando coerência da empresa e reconhecendo os avanços. A luta contra a LGBTfobia no ambiente de trabalho só tem efeito quando todo mundo se compromete e se envolve com ela.
Pode parecer pouco, mas começar a combater a LGBTfobia nos espaços que habitamos diariamente já pode causar um grande impacto na sociedade. Quando um ambiente de trabalho se torna mais seguro e acolhedor, ele reverbera mudanças muito além das suas paredes. Cada gesto conta, cada atitude soma. E cada pessoa pode ser parte ativa dessa transformação.