Um dos pilares para uma vida saudável – incluindo a manutenção da saúde mental e física – é ter uma alimentação equilibrada. Mas e quando essa diversidade no prato se torna um desafio? Para algumas pessoas, a dificuldade de incluir novos alimentos na rotina pode estar relacionada à seletividade alimentar.

Neste artigo, vamos explorar melhor esse tema, entendendo o que é o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE). Para isso, entrevistamos a nutricionista Marina Tavares, formada pela Universidade São Judas Tadeu e pós-graduada em Nutrição Estética pelo Centro Universitário São Camilo. 

Com a ajuda dela, vamos esclarecer as seguintes dúvidas:

O que é seletividade alimentar?

menino não querendo comer
Saiba mais sobre seletividade alimentar e como tratar

Segundo a nutricionista, a seletividade alimentar é um comportamento ligado à escolha e preferência por determinados tipos de alimentos, muitas vezes envolvendo uma forte rejeição ou aversão a outros. Esse padrão pode ser leve, como recusar alguns vegetais, ou mais extremo, a ponto de excluir grupos alimentares inteiros.

Na medicina, esse quadro é chamado de Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE). Antes, era conhecido como Transtorno Alimentar Seletivo, mas teve seu nome e critérios revisados no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). 

Esse transtorno se caracteriza pelo desinteresse em comer, evitação alimentar por questões sensoriais (como textura e cheiro) ou até medo das consequências de ingerir determinados alimentos, como engasgar.

Embora possa surgir em qualquer idade, ele costuma aparecer ainda na infância. Muitas crianças passam por fases de maior seletividade alimentar, mas, na maioria dos casos, essa seletividade não é tão restritiva a ponto de gerar prejuízos nutricionais. Já no TARE, a pessoa mantém esse padrão de evitação por longos períodos, podendo levar a déficits nutricionais sérios.

Quais são as causas da seletividade alimentar?

A seletividade alimentar pode ter múltiplas causas, combinando fatores biológicos, psicológicos e até mesmo experiências de vida. Entender essas causas é essencial para abordar e tratar adequadamente o transtorno.

1. Fatores psicológicos

A seletividade alimentar pode ser uma resposta negativa condicionada a experiências aversivas, como engasgos, episódios de sufocamento ou desconfortos gastrointestinais. “Quando a ingestão de alimentos está associada a essas experiências traumáticas, a pessoa pode começar a evitar certos alimentos”, afirma a nutricionista. 

Ela também destaca que podem estar presentes distúrbios emocionais, como ansiedade ou fobias alimentares, aumentando essa aversão a alimentos específicos. “O medo de novos alimentos, conhecido como neofobia alimentar, é comum entre crianças e pode agravar o quadro”, acrescenta.

2. Fatores sensoriais

mulher não querendo comer
A aversão a texturas, cheiros, cores ou sabores específicos dos alimentos também influenciam a sensibilidade sensorial

A sensibilidade sensorial é um dos fatores mais comuns em pessoas com seletividade alimentar. Isso inclui a aversão a texturas, cheiros, cores ou sabores específicos dos alimentos. “Alguns indivíduos têm um paladar mais aguçado, o que pode tornar certos sabores mais fortes ou amargos insuportáveis”, explica Marina. 

Ela observa que essa sensibilidade pode fazer com que certos alimentos se tornem intoleráveis, agravando o quadro de seletividade.

Além disso, indivíduos com condições como autismo ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) podem ter uma maior sensibilidade sensorial, o que pode interferir na aceitação de alimentos com determinadas características.

3. Fatores biológicos

Causas biológicas também estão relacionadas ao desenvolvimento da seletividade alimentar infantil. “Problemas gastrointestinais, como refluxo ou dificuldades digestivas na infância, podem influenciar o surgimento do transtorno. O desconforto causado por essas condições pode associar a alimentação a sensações negativas”, explica a médica. 

Além disso, a seletividade alimentar é frequentemente observada em indivíduos com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), que apresentam uma tendência a preferir alimentos com texturas mais densas e menos variadas durante as refeições.

4. Experiências de vida e fatores culturais

Podem estar associadas à seletividade alimentar as experiências de vida da pessoa. “Experiências traumáticas envolvendo a alimentação, como engasgos ou ser forçado a comer algo, podem criar uma aversão a certos alimentos”, observa a nutricionista. 

Além disso, as influências culturais e familiares desempenham um papel significativo na formação dos padrões alimentares. “A maneira como a alimentação é abordada dentro de casa e as tradições familiares podem moldar o comportamento alimentar de uma criança”, ela acrescenta.

5. Comorbidades e transtornos relacionados

Em muitos casos, a seletividade alimentar coexiste com outros transtornos, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista), o TDAH, e transtornos de ansiedade. “Estudos mostram que até 80% das crianças com transtornos do desenvolvimento apresentam algum tipo de transtorno alimentar, incluindo seletividade alimentar”, afirma a nutricionista. 

Assim, os problemas de adaptação à rotina e a dificuldade em lidar com mudanças podem levar à escolha de alimentos limitados, não apenas por questões sensoriais, mas como uma forma de manter a estabilidade e o controle em suas vidas.

Como saber se a pessoa tem seletividade alimentar?

mãe e filha comendo em casa
Observar os hábitos alimentares e o comportamento da pessoa já dá pistas importantes

Identificar a seletividade alimentar pode ser um desafio, mas observar os hábitos alimentares e o comportamento da pessoa já dá pistas importantes. “Em geral, a seletividade alimentar se manifesta quando a pessoa mostra uma preferência excessiva por determinados alimentos e evita outros de forma reiterada e consistente”, explica Marina.

Como a alimentação não é apenas uma questão fisiológica, mas também cultural e subjetiva, o diagnóstico pode ser complexo. Para isso, os profissionais de saúde avaliam alguns aspectos essenciais:

  • O consumo de nutrientes essenciais: a pessoa está conseguindo ingerir os nutrientes necessários no dia a dia?
  • Impacto no crescimento e no peso: no caso de crianças, a seletividade alimentar está prejudicando o desenvolvimento esperado?
  • Dependência de suplementos: há necessidade de complementar a alimentação com vitaminas e minerais?
  • Exclusão de outros fatores: a dificuldade alimentar não está relacionada a questões como insegurança alimentar, restrições religiosas/culturais, alergias ou intolerâncias?
  • Distanciamento de transtornos alimentares: as limitações alimentares não têm relação com insatisfação com o corpo ou desejo de perder peso?

“Em alguns casos, a seletividade alimentar pode ser um reflexo de enfermidades ou tratamentos específicos. O que diferencia um quadro temporário de um transtorno como o TARE é a persistência e o impacto na saúde e qualidade de vida da pessoa”, explica a nutricionista. 

Outros sintomas desse transtorno

O principal sintoma da seletividade alimentar é a limitação na variedade de sabores. Mas os sinais vão além de recusar alimentos. Dependendo da intensidade do quadro, a pessoa pode apresentar sintomas físicos e emocionais que afetam sua qualidade de vida.

Sinais mais comuns incluem:

  • Falta de apetite ou interesse reduzido por comida;
  • Preferência exclusiva por alimentos com determinadas texturas (ex.: apenas crocantes ou pastosos);
  • Reações negativas a cheiros, sabores, texturas e cores, podendo até causar repulsa e vômito;
  • Medo do ato de comer, seja por receio de engasgos ou de sentir mal-estar.

 E os principais impactos na saúde e no bem-estar são:

  • Problemas gastrointestinais, como constipação e refluxo, devido a uma alimentação pouco variada;
  • Letargia, cansaço excessivo e fraqueza muscular;
  • Tontura e, em casos mais graves, até desmaios;
  • Dificuldade para se concentrar, o que pode impactar o desempenho escolar ou profissional.

Como combater a seletividade alimentar?

homem fazendo comida para comer
O tratamento pode incluir acompanhamento médico, mas também outras estratégias. Confira algumas!

O tratamento da seletividade alimentar, em alguns casos, inclui um acompanhamento médico para evitar impactos na saúde. O tratamento costuma envolver um trabalho multidisciplinar com nutricionistas, psicólogos e médicos.

“No dia a dia, pequenas mudanças podem ajudar a pessoa a expandir o paladar sem gerar estresse. Em vez de forçar a aceitação de um novo alimento, comece com exposições gradativas. Apresente novos alimentos ao lado de itens familiares de que a pessoa já gosta. Isso ajuda a criar uma associação positiva e reduz a resistência”. Outras estratégias incluem:

Apresentação variada: “Tente oferecer o mesmo alimento de diferentes formas – cozido, assado, em purê, picado… Assim, a pessoa pode encontrar uma versão que lhe agrade mais”.

Integração em pratos conhecidos: “Misturar um novo ingrediente em receitas que a pessoa já gosta pode ser um primeiro passo para a aceitação”.

Foco no que a pessoa aceita comer: “Em vez de enfatizar os alimentos evitados, valorize aqueles que já fazem parte da dieta e tente ampliar esse repertório aos poucos”.

Em casos mais desafiadores, um tratamento específico pode ser necessário. Crianças, por exemplo, podem se beneficiar da terapia, que segue quatro estágios:

  • Registrar: anotar os hábitos alimentares sem pressão para mudanças;
  • Recompensar: criar uma lista de novos alimentos possíveis e experimentar novos alimentos aos poucos, com reforço positivo; 
  • Relaxar: reduzir a ansiedade em relação à comida, usando histórias, imagens e técnicas de relaxamento; 
  • Revisar: monitorar o progresso e ajustar as estratégias conforme necessário.

Já para adultos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das abordagens mais eficazes, ajudando a identificar padrões de pensamento e comportamento que reforçam a seletividade alimentar. 

“O medo de certos alimentos pode estar ligado a experiências passadas ou questões sensoriais. A terapia ajuda a lidar com esses desafios de forma mais equilibrada”, afirma a nutricionista.

Em casos graves, pode ser necessário o uso de suplementos, medicamentos para estimular o apetite ou, em situações extremas, internação hospitalar para suporte nutricional.

Se você ou alguém próximo enfrenta dificuldades com a alimentação, buscar ajuda profissional pode fazer toda a diferença. O importante é respeitar o tempo e os limites da pessoa, tornando o processo de aceitação alimentar mais leve e positivo.