Culinária afro-brasileira: os sabores que contam a história do Brasil
Falar sobre comida é falar sobre gente. Sobre quem planta, cozinha, compartilha e ensina. No Brasil, a culinária afro-brasileira vai além de só ingredientes e temperos, é herança, fé e resistência. Cada receita carrega uma história de adaptação, criatividade e ancestralidade.
No Dia da Consciência Negra, celebrar esses sabores é reconhecer a luta e o legado do povo preto que, mesmo diante da dor, transformou o alimento em memória, sustento e identidade. Honrar a culinária afro-brasileira é, portanto, uma forma de manter viva a história de quem moldou grande parte da nossa cultura.
- 20 de novembro: o dia que nos convida à consciência
- O sabor afro-brasileiro como memória e resistência
- Pratos da culinária afro-brasileira que contam a nossa história
- 3 receitas típicas da culinária afro-brasileira para conhecer e se inspirar
20 de novembro: o dia que nos convida à consciência
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é um lembrete da luta e da resistência do povo negro no Brasil. A data marca a morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da história, símbolo de liberdade e coragem diante do regime escravocrata.
O dia é um convite à reflexão sobre o racismo que ainda persiste na sociedade, sobre as histórias que foram silenciadas e sobre as inúmeras formas com que a cultura negra moldou o país. Da música à fé, da linguagem aos costumes, e, de modo especial, à mesa, onde a ancestralidade africana temperou o que hoje reconhecemos como sabor brasileiro.
Celebrar a comida afro-brasileira nesse contexto é celebrar vidas, trajetórias e saberes que atravessaram séculos. É reconhecer que o que comemos carrega a força de quem resistiu, criou e transformou, fazendo da culinária um dos pilares da nossa identidade nacional.
O sabor afro-brasileiro como memória e resistência

A comida afro-brasileira nasceu da necessidade, mas floresceu como símbolo de resistência. Nos tempos coloniais, enquanto a escravidão tentava apagar identidades, o ato de cozinhar tornou-se uma forma silenciosa de preservá-las. Cada receita carregava lembranças de um continente distante e a esperança de liberdade.
As panelas ferviam não apenas com ingredientes, mas com histórias. As mulheres negras, primeiras cozinheiras do Brasil, criaram e recriaram pratos com o que havia disponível, transformando o pouco em sabor, e o sabor em afeto. Na cozinha, elas mantiveram vivas as tradições, transmitindo saberes de geração em geração.
Entre ingredientes como o azeite de dendê, o quiabo, o cuscuz, o maxixe e o inhame, surgiu uma culinária que se tornou alicerce da cultura brasileira. Comer, nesse contexto, é um ato político e de memória.
Pratos da culinária afro-brasileira que contam a nossa história
A culinária afro-brasileira é um retrato vivo de um povo. Cada prato traz em si um pedaço da história do Brasil e da presença africana que o formou.
Acarajé
Comercializado no passado por mulheres negras escravizadas ou libertas, as ganhadeiras, o quitute que um dia foi ritual para os orixás virou também fonte de liberdade e autonomia econômica. Com o dinheiro arrecadado das vendas, muitas vezes, pagavam a sua liberdade, de seus companheiros, filhos e outros parentes.
Sua origem está ligada ao kosai ou àkàrà (que significa “bola de fogo de comer” na etnia iorubá) e, atualmente, o Ofício das Baianas de Acarajé é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Feijoada
Mais que um ícone nacional, a feijoada que conhecemos hoje é um prato que representa a miscigenação cultural brasileira. Sua criação é um processo de hibridização cultural, resultado da interação entre as culinárias portuguesa, africana e indígena, e que evoluiu para se tornar um símbolo nacional.
Vatapá e caruru
O vatapá e o caruru traduzem a herança iorubá em forma de sabor. Preparados com azeite de dendê, camarão e leite de coco, esses pratos ligam o cotidiano à religiosidade, sendo oferendas aos orixás e símbolos da cozinha afro-baiana.
Bobó de Camarão
Rico em cores e aromas, o bobó de camarão é uma representação direta da herança africana na culinária do país. Ele é uma adaptação afro-brasileira do prato africano chamado ipetê, feito com inhame, que se tornou o bobó com mandioca, azeite de dendê e outros ingredientes locais.
3 receitas típicas da culinária afro-brasileira para conhecer e se inspirar
1. Acarajé (servido com vatapá)

Ingredientes:
- 500 g de feijão fradinho;
- 3 cebolas médias;
- Sal a gosto;
- 3 xícaras de azeite de dendê;
- 250 g de camarão seco;
- 1L de leite de coco;
- 150 g de amendoim torrado e sem pele;
- 75 g de castanha-de-caju;
- 1 xícara de farinha de mandioca torrada;
- Gengibre ralado a gosto;
- Azeite de dendê a gosto (para o vatapá);
- Camarões grelhados e vinagrete para servir na finalização.
Modo de preparo da massa do acarajé:
1. Bata o feijão no processador até quebrar os grãos;
2. Coloque em um recipiente, cubra de água e reserve;
3. Com o auxílio de uma peneira, retire as cascas que boiarem na água;
4. Deixe o feijão de molho por 8 horas e, em seguida, escorra a água;
5. Bata o feijão e a cebola no processador, até que virem uma pasta;
6. Coloque a mistura em um recipiente, tempere com sal e mexa usando uma colher.
Modo de preparo da fritura:
1. Aqueça o óleo de dendê;
2. Coloque uma cebola inteira no azeite de dendê para manter a temperatura correta do óleo e evitar que ele queime;
3. Pegue uma colher grande, generosa, da massa e coloque no óleo, deixando dourar de ambos os lados.
Modo de preparo do vatapá
1. Bata no liquidificador o camarão seco, o leite de coco, o amendoim, a castanha-de-caju, a cebola, a farinha de mandioca e o gengibre;
2. Adicione sal à mistura;
3. Coloque em uma panela e cozinhe em fogo médio, mexendo o tempo todo para não empelotar;
4. Adicione gotas de azeite de dendê, apenas o suficiente para dar cor e sabor ao vatapá.
5. Quando o creme desgrudar do fundo da panela, está pronto!
Corte o acarajé ao meio e recheie com o vatapá, vinagrete e camarão grelhado.
2. Canjica (Mungunzá)

Ingredientes:
- 2 xícaras (chá) de canjica de milho;
- 2 litros de água;
- 1 xícara (chá) de açúcar;
- 1L de leite;
- 100 g de coco ralado;
- Canela a gosto;
- Cravo-da-índia a gosto;
- 1 lata de leite condensado;
- 1 lata de creme de leite.
Modo de preparo:
1. Deixe a canjica de molho na água por 24 horas;
2. Coloque a canjica em uma panela de pressão e adicione a água;
3. Adicione cravo e canela e cozinhe por 45 minutos;
4. Abra a panela e acrescente o açúcar, o leite, o leite condensado e o coco;
5. Com a panela destampada, cozinhe até que a canjica de milho engrosse;
6. Desligue o fogo e acrescente o creme de leite;
7. Misture e sirva.
3. Cuscuz

Ingredientes:
- ½ xícaras de flocos de milho;
- 2 ¼ xícaras de água;
- ½ colher (chá) de sal;
- 1 colher de sopa de manteiga.
Modo de preparo:
1. Coloque os flocos de milho e o sal, misturando com água, em um recipiente;
2. Aperte o cuscuz com as mãos, atentando para não amassar demais e deixá-lo mole;
3. Insira a massa na cuscuzeira e deixe descansar por, no mínimo, 20 minutos;
4. Leve ao fogo médio por pelo menos 15 minutos;
5. Apague o fogo e deixe descansar por mais alguns minutos;
6. Pronto! O cuscuz é uma delícia servido com manteiga.
Ao preparar, compartilhar ou simplesmente saborear essas receitas, estamos mantendo viva a herança do povo negro e fortalecendo a conexão entre passado e presente. Honrar esses sabores é, portanto, uma forma de celebrar a vida, a cultura e a memória de quem fez do alimento um gesto de resistência e amor.
Se fizer em casa alguma dessas receitas, tire uma foto e compartilhe com a gente no Instagram: @TotalPass. Bom apetite!